Heranças dos povos Banto, Daomé e Iorubá moldam 'baianidade', defendem estudiosas

Mostra permanente da Casa do Benin, em Salvador Bruno Concha/Assessoria As influências de povos africanos na Bahia moldaram muito do que se entende como "baian...

Heranças dos povos Banto, Daomé e Iorubá moldam 'baianidade', defendem estudiosas
Heranças dos povos Banto, Daomé e Iorubá moldam 'baianidade', defendem estudiosas (Foto: Reprodução)

Mostra permanente da Casa do Benin, em Salvador Bruno Concha/Assessoria As influências de povos africanos na Bahia moldaram muito do que se entende como "baianidade" nos dias atuais. Essas heranças vão além da gastronomia e da música, chegando a noções profundas como relações familiares, a relação dos baianos com a morte e uma série de outras questões subjetivas. Em entrevista ao g1, a doutora e pesquisadora Yêda Antonita Pessoa de Castro, conhecida por dedicar a vida ao estudo das línguas africanas no português brasileiro, avalia que os povos africanos trouxeram um "jeito de viver" para o Brasil que vai muito além da língua. Segundo ela, muito se referencia a língua do povo Iorubá — vindo da África Ocidental, região que corresponde à Nigéria, Benim e Togo — mas os povos Daomé e, principalmente, Banto (vindo da África Central, onde estão países como Cabo Verde, Congo, Quíloa e Zimbábue) também foram trazidos ao Brasil. 📲 Clique aqui e entre no grupo do WhatsApp do g1 Bahia "Aqui na Bahia, nós fomos o povo de maior presença de escravizados do Brasil durante mais de três séculos, porque houve um determinado momento entre 200 anos, em que nós tínhamos uma população de negros e mestiços superior à presença de portugueses e de outros povos europeus", afirma. Veja os vídeos que estão em alta no g1 Além da influência desses povos na fala de um português marcado pelos termos africanos em todo o Brasil, foi também através deles que uma série de costumes foram enraizados no dia a dia dos baianos. "[Há] Costumes que a gente às vezes nem percebe, que são africanos. Na Semana Santa, na Sexta-feira Santa [dia em que se recorda a morte de Jesus Cristo], nós comemos o dia inteiro comida com dendê, o dia inteiro nós 'festejamos' a morte de Cristo. Isso é uma tradição africana", pontua a pesquisadora. "O africano não comemora a vida, mas sim a morte. Por essa razão, nós também aqui comemoramos a morte de Cristo". Yêda Antonita Pessoa de Castro, referência no estudo das línguas africanas no português brasileiro Reprodução/Academia de Letras da Bahia Esse traço também pode ser observado na tradicional Irmandade da Boa Morte, no Recôncavo Baiano, onde mulheres mantêm tradições afro-brasileiras de ritos católicos, preservando a memória do povo negro escravizado no estado e fortalecendo as práticas religiosas mantidas historicamente por essas pessoas. A subjetividade entranhada nessas manifestações culturais reflete a formação do caráter do povo baiano. Para a pesquisadora, o povo brasileiro criou um novo jeito de viver, transformando não só as heranças africanas, mas também europeias e dos povos originários. "[A] Lógica de pensar e se relacionar, que nós temos aqui, é uma mistura perfeitamente completa. (...) O maior exemplo que nós temos é o da religião. Não existe sincretismo no Brasil. O que existe no Brasil é a acomodação de dois pensamentos, de duas religiões, que se fundiram e [se tornaram] o cristianismo brasileiro [e] baiano", defende Yêda. Via de mão dupla: a influência do Brasil na diáspora africana Essas heranças são parte de um passado traumático para o povo brasileiro, uma vez que a chegada dos africanos veio acompanhada da colonização e da escravização. São marcas que ainda afetam a população, que enfrenta dificuldades no processo de autorreconhecimento. Cemitério encontrado em estacionamento de Salvador abriga corpos de mais de 100 mil escravizados, aponta pesquisa Para a professora, curadora, artista e pesquisadora da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Paola Barreto, pensar na relação Brasil x África como uma via de mão dupla é uma forma de superar o trauma da colonização. Responsável pelo grupo de pesquisa Balaio Fantasma do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos da Ufba, Paola teve uma série de trocas com artistas da diáspora africana e percebeu que, além de se reconhecer no Brasil, alguns vêm para cá a fim de se reconectar com a própria história. "Eu percebi o quanto a nossa cultura também atravessa o atlântico e influencia os modos de viver no lado de lá. Por exemplo, no Benim, é comum comer a nossa farinha, a nossa mandioca, lá eles chamam de 'garri', muito comum na Costa do Marfim também. Então, a mandioca chega lá e se torna uma comida nacional também, [o mesmo acontece] com algumas palavras", pontua a pesquisadora. Paola Barreto, professora, curadora, artista e pesquisadora da Ufba Arquivo pessoal Essa conexão levou Paola a montar o projeto Ocupa Casa do Benin, no qual organizou a exposição das obras da artista, historiadora e curadora beninense Lylly Houngnihin. Esse movimento de revitalização do museu, que possui uma casa-irmã no país africano, é uma das formas de reforçar as heranças do país no Brasil, mas de também melhorar a comunicação entre as nações. "É no encontro desses povos que a gente vai desenvolver o que a gente chama de cultura brasileira. Eu tenho entendido a importância da gente imaginar nossas lutas por justiça social e reparação histórica, e outras discussões que o novembro negro traz, na interseccionalidade com as lutas dos movimentos indígenas também", contextualiza. "A gente está tão habituado a pensar no caminho inverso, em artistas brasileiros, pesquisadores, que viajam para a África em busca da origem, mas acho que se a gente entende que essa travessia tem dois polos, é importante a gente assegurar que haja a possibilidade do caminho do outro lado ser feito também", argumenta a professora. Casa do Benin, em Salvador Divulgação LEIA MAIS: Salvador Capital Afro 2025 celebra cultura negra com moda, música e arte durante o mês de novembro Da jardinagem às passarelas: modelo conquistou carreira internacional após ser descoberto no subúrbio de Salvador Veja mais notícias do estado no g1 Bahia. Assista aos vídeos do g1 e TV Bahia 💻

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